A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água, de Jorge Amado



RESUMO: Esse resenha trata a respeito da obra A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, com a finalidade de trazer críticas sobre a invisibilidade do sujeito e sua posição como cidadão após sua mudança radical de identidade social, apresentando uma denúncia perceptível sobre a marginalização da população de menor poder aquisitivo na cidade de Salvador-BA, nos anos 50, abrangendo fatores conflituosos relacionados à religião, cultura e família.

Publicada pela primeira vez em 1959, a obra relata as circunstâncias da morte de Quicas Berra D’Água. A historia é trágica e cômica, porém o livro também faz uma critica ao retratar a invisibilidade do sujeito, no caso de Quincas, após sua desvinculação da classe social média e abastada.

A invisibilidade do personagem se dá quando o sujeito é visto como “sem valor” pela família e amigos. Ele   “não existe” para essas pessoas, ou pelo menos é como se não existisse. Quincas passa a ser visto como um fardo, um aborrecimento para a família e amigos que antes faziam parte da sua vida. Mas o foco narrativo é a verdadeira morte de Quincas: na pocilga em que morou durante sua vida boêmia.



A família declara que ele morreu de forma decente, mas como um fardo que era, esconde a historia de vida dele nos últimos 10 anos, como vagabundo de rua. O título do livro faz um trocadilho com as Mortes de Quicas, pois ele já tinha sido decretado “morto” para a sociedade pela família que aparentemente se sentiu aliviada com a sua morte definitiva.  O livro é claramente uma crítica azeda aos comportamentos burgueses, e é interessante frisar a ideologia socialista do autor, assim como seus interesses de escrever principalmente para a massa, criando assim um personagem que contraria os interesses da classe dominante e exalta a moralidade do povo de menor poder aquisitivo, a humildade deles, benevolência, e principalmente o conceito de família e o caráter. A mudança de comportamento de Quincas causa um conflito, devido à divisão da burguesia e do povo. Afinal, ele fazia parte de um grupo e passa a conviver com outro. Quincas nega o seu lugar de nascimento social. O autor foi extremamente calculista ao fazer essa mudança abutre de herói, para anti-heroi como explicado:


[...] um anti-herói; busca os verdadeiros sentimentos de liberdade e prazer; ironiza e debocha do mundo submetido a tantas regras que muitas vezes não são cumpridas. Trata com indiferença o falso moralismo e, por assim dizer, a contradição de uma personagem “normal”, apoiando-se na inconsequência e aproximando-se do mundo ideal por ele pretendido. Os romances, em grande maioria, têm na constituição da instância narrativa um herói, que reforça a manutenção de uma ideologia de classes sociais que se conservam no poder. Mas se no universo da narrativa trabalha-se com o anti-herói, a inversão de valores está posta em cena, e o sentido é distanciar-se de tudo aquilo que é estabelecido, das regras até então dominantes. Para tanto, o anti-herói ou a anti-personagem trabalha na contramão, e representa uma desconstrução a tudo que é tido como regras de domínio. Tenta caminhar em sentido contrário à atuação de que um herói faria. (SOARES, 2002, p. 54 - 4)[1]

No conto existem dois sujeitos, que junto da família era uma pessoa respeitável e junto dos vagabundos um marginal voluntário. O primeiro sendo um corretor da mesa de renda Estadual, aposentado depois de 25 anos de bons e leais serviços, com esposa, a quem todos tiravam o chapéu e apertavam a mão, e era motivo de exemplo para os netos. E o segundo, um sujeito que após abandonar a casa e a família, virou vagabundo de rua, bebia em botequins baratos e frequentava meretrícia, e vivia sujo, entretendo ajudava aos seus (que seriam os outros vagabundos e também era amigável da população periférica e das prostitutas).

Resultado de imagem para a morte a morte de quincas berro d'água

Um bom pai de família admirado pela alta sociedade, ora vagabundo passou a ser admirado pelos pobres, porém invisível a uma sociedade que pertencia anteriormente. Joaquim sofre o que poderíamos chamar de conflito de identidade popular de acordo com o seu grau de integração como sujeito social à estrutura social e cultural que o cerca, que no final define sua identidade. 

E por esse motivo Quincas, passa a ter outra identidade, ao fazer parte de outro grupo, outra cultura e também religião. Ele mesmo não se identificava com a identidade que possuía. Transforma-se, então, em Quincas Berro D’água: um personagem essencial para equalizar valor e significação à própria existência. Um personagem que está sendo construído e manobrado pelo narrador.

O conto nós trás as profundas indagações sobre o sentido da vida, como reflexão, e a riqueza dos costumes da sociedade baiana e seu dialeto. É também o status de cidadão do personagem após rompimento com a estrutura familiar, que também considerado um rompimento com a burguesia, a partir do tratamento distinto que ele recebe, sem contar o preconceito social extremante presente.

Quincas representa as contradições do homem e da sociedade, retratadas por Jorge Amado. O seu rompimento com a família é também um rompimento com a sociedade. Ao romper com a estrutura familiar, nega a sua própria estrutura social, isto é, rompe com a estrutura burguesa [...] Assim, na sociedade, o indivíduo vale pelo selo que o representa. Isso, entretanto, não dá cidadania ao homem. Quincas -Joaquim é um cidadão? O fato de ter sido um “homem de bem” e ter optado, depois, por ser um “malandro” subtrai-lhe a condição de cidadão? Nesse sentido, traça-se um paralelo entre Joaquim e Quincas. (GUEDES, 2004, p. 164)

Duas faces da sociedade estão representadas no livro; uma excluída e invisível aos olhos da outra. Uma tinha suas vidas relatadas em jornais como o centro da sociedade, vistos como grande estima, respeitáveis, de família, que valorizava o casamento e o trabalho. E a outra, os vagabundos que eram admirados pelos seus semelhantes, à margem dos holofotes, humilde, e feliz apesar de serem extremamente marginalizados.  O autor como já dito anteriormente era socialista, e como tal é perceptivo as influencia de autores com a mesma ideologia, no caso de Gramsci, a explicação da subalternização.

A categoria "subalterno" e o conceito de "subalternidade" têm sido utilizados, contemporaneamente, na análise de fenômenos sociopolíticos e culturais, normalmente para descrever as condições de vida de grupos e camadas de classe em situações de exploração ou destituídos dos meios suficientes para uma vida digna. No pensamento gramsciano, contudo, tratar das classes subalternas exige, em síntese, mais do que isso. Trata-se de recuperar os processos de dominação presentes na sociedade, desvendando "as operações político-culturais da hegemonia que escondem, suprimem, cancelam ou marginalizam a história dos subalternos" (BUTTIGIEG, 1999, p. 30).[3]

A narrativa possui um toque de ironia e humor para compactuar com o escritor que lida de forma divertida, dolorida e irônica com a morte de Quincas Berro D’Água, e o desprezo da família para com a morte dele, e a tristeza que assola os quatro melhores amigos do personagem: Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-vento, que não era sua família, mas lhe tinha grande estima e admiração. Quincas Berro D’Água morre então aos sessenta anos de idade. Vanda, sua filha, faz os preparativos do enterro, e tenta durante o processo dar uma aparência respeitosa ao pai, fazendo-o retornar a imagem do Joaquim Barbosa, com o mesmo mascaramento do qual Joaquin quiz se livrar, entretanto não conseguiu tirar o sorriso que o morto estampava no rosto, o sorriso de quem parecia debochar dela, da família, debochar do mundo e, sobretudo da situação a qual se encontra que contraria a classe social de maior poder aquisitivo.

Claramente a obra de Jorge Amado, é mais que um romance cômico sobre a vida de Joaquim/Quincas, é uma crítica à sociedade burguesa, a situação de vida do povo pobre de periferia, e seus valores morais, e o embate de duas classes sociais.


REFERÊNCIAS
AMADO, J. A morte e a morte de Quincas Berro D’água. 88 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 96 p.
ROÉFERO, M. S. V. Jorge Amado e a Consciência Discursiva Em A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água. UNESP, 2002; Dissertação (mestrado) em Letras – Literaturas de Língua portuguesa.
GUEDES, J.  A cidadania de Quincas Berro D‘água - o olhar de quem chega e sente o gosto de ficar. UFBA; Artigo (mestrado) pelo Curso de Pós-Graduação em Geografia.
SIMIONATTO, I. Classes subalternas, lutas de classe e hegemonia: uma abordagem gramsciana. UFSC, 2009; ARTIGO, Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.






[1] http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/94154/roefero_msv_me_assis.pdf?sequence=1
[2] http://www.ufrgs.br/neccso/word/texto_stuart_centralidadecultura.doc
[3] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802009000100006

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Introdução a História da Filosofia

Orgulho e Preconceito, de Jane Austen